Por Fábio Camargo
Um contrato não surge do nada. Sua existência resulta de uma série de condutas sucessivas, que começam pela aproximação das partes interessadas. Cada qual com seu interesse, cada qual com seu propósito, elas buscam se aproximar e, por meio das tratativas, encontrar elementos em comum que justifiquem prosseguir com uma negociação.
Da negociação, o interesse em prosseguir normalmente resulta em uma proposta. Se dela provier uma aceitação, teremos a formação de um contrato.
Todo esse procedimento faz parte do período pré-contratual. O contrato faz parte de todo um processo dinâmico que possui três fases distintas: pré-contratual, contratual e pós-contratual.
Na fase pré-contratual, temos atos negociatários e os atos decisórios (proposta, contraproposta e aceitação). A fase contratual ocorre após as partes chegarem a um consenso, que resulta na ‘assinatura’ do contrato. É nessa fase que as prestações são cumpridas pelas partes (contratante e contratada) até a extinção do contrato. Após a extinção, teremos a fase pós-contratual, em que também existem, normalmente, algumas obrigações. Por exemplo, em um contrato empresarial com cláusula de confidencialidade, as partes não poderão revelar certos fatos, mesmo após o término do contrato (período pós-contratual).
- Contrato preliminar e sua força executiva
Conforme mencionado, na fase pré-contratual temos as tratativas, que podem ser realizadas de modo verbal ou por escrito, por meio de documentos, propostas, contrapropostas ou até mesmo e-mails e mensagens de texto (por exemplo, Whatsapp). Nessa fase, é preciso ter atenção, pois caso haja certos elementos, o poder judiciário pode considerar que foi formado um contrato preliminar e não uma mera tratativa.
O contrato preliminar é um contrato propriamente dito, ou seja, obriga as partes, ainda que não esteja formalizado em um instrumento escrito. Isso significa que, caso haja inadimplemento, as partes (contratante e contratada) podem pleitear judicialmente a execução forçada das obrigações acordadas, ainda que isso tenha se dado de maneira informal (verbal, por e-mail, mensagens de Whatsapp etc.).
Para definirmos se a fase das tratativas foi ultrapassada e se já existe um contrato preliminar, é preciso verificar a presença de dois elementos:
- Consenso quanto à concretização de um contrato futuro;
- Consenso quanto aos elementos essenciais que constituem o seu conteúdo.
Caso existam, estamos diante de um contrato preliminar, também chamado de promessa de contratar ou compromisso de contratar, que tem força obrigatória, coercitiva e executiva, ou seja, já pode ser demandado judicialmente, como se fosse um contrato definitivo, desde que sua existência possa ser comprovada de algum modo.
Podemos dizer, portanto, que os contratos preliminares são meramente consensuais, por prescindirem de um instrumento formal escrito, já que podem ser manifestados verbalmente, por e-mail ou até mesmo por uma troca de mensagens eletrônicas. Em outras palavras, basta que a parte junte os e-mails, prints/áudios do Whatsapp ou indique testemunhas no processo judicial, isto é, prove de alguma forma que houve consenso, juntamente com os requisitos essenciais do contrato a ser celebrado, para que possa haver a execução judicial (artigos 462 a 466 do Código Civil).
- Caso prático
Na vida real, um dos mais importantes precedentes sobre promessa de contratar diz respeito a uma ação judicial proposta por agricultores contra uma famosa marca de molho de tomates. Tal marca costumeiramente distribuía sementes para o plantio de tomates e depois, à época da colheita, comprava toda a safra dos agricultores. Nunca celebrou um contrato escrito com esses agricultores, mas repetia essa dinâmica constantemente, por um período longo de tempo.
No entanto, num dado momento, a marca simplesmente decidiu não comprar a safra, após os agricultores terem plantado as sementes distribuídas naquela temporada e feito altos investimentos na produção, na confiança de que seus tomates seriam comprados pela empresa, como esta sempre fazia.
Devido ao prejuízo sofrido, os agricultores acionaram judicialmente a marca, pleiteando indenização. No fim, o poder judiciário deu ganho de causa aos cultivadores, considerando haver uma promessa de contratar, já que todos os elementos que caracterizam um contrato preliminar estavam presentes, restando frustrada legítima expectativa de venda da safra.
CONTRATO. TRATATIVAS. “CULPA IN CONTRAHENDO”. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA ALIMENTICIA, INDUSTRIALIZADORA DE TOMATES, QUE DISTRIBUI SEMENTES, NO TEMPO DO PLANTIO, E ENTAO MANIFESTA A INTENCAO DE ADQUIRIR O PRODUTO, MAS DEPOIS RESOLVE, POR SUA CONVENIENCIA, NAO MAIS INDUSTRIALIZA-LO, NAQUELE ANO, ASSIM CAUSANDO PREJUIZO AO AGRICULTOR, QUE SOFRE A FRUSTRACAO DA EXPECTATIVA DE VENDA DA SAFRA, UMA VEZ QUE O PRODUTO FICOU SEM POSSIBILIDADE DE COLOCACAO. PROVIMENTO EM PARTE DO APELO, PARA REDUZIR A INDENIZACAO A METADE DA PRODUCAO, POIS UMA PARTE DA COLHEITA FOI ABSORVIDA POR EMPRESA CONGENERE, AS INSTANCIAS DA RE. VOTO VENCIDO, JULGANDO IMPROCEDENTE A AÇÃO. (12FLS – D. ) ( Apelação Cível Nº 591028295, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em 06/06/1991)(TJ-RS – AC: 591028295 RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Data de Julgamento: 06/06/1991, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)
Referências
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: Contratos e atos unilaterais. 15 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MACHADO, André Roberto de Souza. Direito Contratual. Rio de Janeiro: FGV, 2024.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, volume 3: Contratos. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 591028295. Quinta Câmara Cível. Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Julgado em 6 de junho de 1991.